Por Joaquim Ferreira dos Santos (Rádio Batuta)
"O amor é isso que você está ouvindo, prezado ouvinte, um grande bolero em que se junta mágoa, dor, descrença e quase sempre um derivativo de "Recusa", que é como se chama apropriadamente esta música do novo cd de Alcione, uma cantora que não evita falar do inevitável, a derrota amorosa. Alcione solta os bofes. Nem aí para os novos padrões de elegância das cantoras que se formaram ouvindo Marisa Monte. Ela confessa, às vezes em tom maior, em outras tantas choramingando, o que os modernos não gostam de abrir para as grandes plateias: esse tal de amor costuma doer e resultar numas músicas em que o final nunca é feliz. O disco fala de desprezo, abandono, tristeza, palavras que também pontuam "Recusa", este belo bolero de Herivelto Martins, sucesso de Angela Maria nos anos 1950. As outras faixas vão pelo mesmo caminho. Nunca ninguém se dá bem nos grandes boleros da vida. E eles são o único cardápio servido dessa vez por Alcione, a melhor cantora brasileira desta e de muitas outras semanas. Os boleros dela, regravações também de clássicos de Dalva de Oliveira e Núbia Lafaytte, musas do amor em desespero, são pautados pelo sentimentalismo radical, o coração na boca, a gilete afiada. Vão na contramão do tira-e-bota da Anitta, da Ludmilla e todas essas empodeiradas cariocas, meninas que não pensam em outra coisa, senão em se vingarem dos machos antigos e praticarem o que eles tinham de pior. Só querem saber daquilo. Da descartabilidade afetiva, de agregar marcas à coronha do revolver e mostrar quem de fato manda agora. Há quantos anos um compositor brasileiro não escreve "eu te amo" em meio a suas letras! Os boleros do cd de Alcione amam muito, mas geralmente o que não deve ser amado. Chamam-se "Besame", "Segredo", "Abandono", "À Sombra do Teu Sorriso" ou "Gracias a La Vida", coisas que não fazem mais sentido no jogo amoroso. É um trabalho sem modismos. Finalmente o disco de uma cantora madura, para seu público assim também. Todos orgulhosos desta condição. De terem crescido, de terem experimentado sentimentos de vida e prazeres estéticos dos quais não abrem mão.Já foram jovens e sabem, só os muito jovens acham que o amor cabe num funk. Alcione, evidentemente, não tem nada contra Gal Costa, que nos últimos discos tem feito sucesso ao se reciclar com os filhos de Caetano. Deseja boa sorte também para Elza Soares, que se refez com punho cerrado do rap paulista. Felizmente, seus fãs agradecem. Alcione mantém sua voz tamanha, dedicada aos boleros sem lero-lero da vida amorosa. Sofre-se o diabo! Mas que disco bonito!"
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